domingo, 18 de novembro de 2007

Tutela Cautelar

Achei interessante a intervenção do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra na sessão de abertura do colóquio “Medidas cautelares no novo contencioso administrativo”, organizado pelo Supremo Tribunal Administrativo e Universidade Católica Portuguesa, em 2 de Março de 2007, por isso refiro a abordagem mais relevante ai exposta.

A principal inovação da reforma do contencioso administrativo foi respeitante ao regime da tutela cautelar.
O novo código de processo administrativo tendo consagrado amplamente a tutela cautelar administrativa, os particulares e as entidades administrativas poderão solicitar, em cumulação ou em alternativa, todas as providências cautelares que se mostrem essenciais à garantia da efectividade do processo principal.
No código de processo administrativo está prevista uma cláusula aberta, onde se prevê a possibilidade de se adoptarem providências cautelares não especificadas, desde que a sua adequação seja provada e não invadam o espaço reservado da discricionariedade da administração, tentando-se desse modo ultrapassar o monopólio quase exclusivo do instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo, centrado no recurso contencioso de anulação.
Com o novo regime da tutela cautelar prevêem-se a adopção de mediadas quer de tipo conservatório, quer de tipo antecipatório, que valem relativamente a todas as modalidades de actuação administrativa. Actuação administrativa essa que poderá ir da prática de actos com efeitos positivos, actos de conteúdo negativo, normas, regulamentos, contratos, operações materiais e actuações informais típicas da multiplicidade de administrações.
Na prática, devido à sua ampla possibilidade, têm recorrido ao regime de tutela cautelar administrativa, os interessados que visem obter uma mais rápida e mais cabal tutela dos seus direitos, esquecendo-se que este regime só deve ser aplicado a situações excepcionais. O resultado desta prática foi uma inundação dos tribunais administrativos com pedidos cautelares, estimando-se que em muitos tribunais de círculo, cerca de 30% das acções administrativas especiais sejam antecedidas de um processo cautelar. Valor de percentagem este elevado em comparação com a instauração de processos cautelares no contencioso de processo civil.

Foi ainda falado da necessidade de ponderação da correcta interpretação e adequada aplicação dos critérios para a concessão da tutela cautelar, nomeadamente, no referente à determinação dos conceitos de “fundado receio”, “facto consumado” e de “prejuízo de difícil reparação” - critérios necessários para a aferição do perigo de demora processual.

Esta necessidade de ponderação deve-se também ao facto de, não obstante a previsão dos requisitos para a instauração da tutela cautelar administrativa, nomeadamente o fumus boni iuris, na prática, tem-se verificado que os requerentes têm tendência a carrear para o processo cautelar quase toda a matéria de facto e de direito que pretendem fazer valer no processo administrativo principal. Esta prática tem resultado que os processos cautelares são pesados e trabalhosos.
Nesta matéria o papel do juiz administrativo é importante, nomeadamente relativamente aos meios de prova a admitir na tutela cautelar e às diligências probatórias a ordenar no âmbito daquele processo.

Foi ainda falado nos poderes concedidos ao juiz cautelar administrativo.
O juiz cautelar administrativo tem possibilidade de no processo, nomeadamente, ordenar diligências de prova que repute essenciais a possibilidade de decretar outras providências, em cumulação ou em substituição das providencias requeridas, à garantia de cumprimento da providência ou mesmo à penalização por uso indevido do processo.

Atendendo a estes poderes amplos, há quem fale na figura de um super juiz.
A este propósito, há quem questione se com a nova tutela cautelar administrativa não haverá uma intromissão indevida dos juízes na margem de livre apreciação e decisão da administração.
Ou será que ao juiz cautelar devia ter sido dado poderes mais amplos, nomeadamente poderes substitutivos, permitindo desse modo ao juiz cautelar administrativo praticar os actos ou operações materiais indispensáveis ao cumprimento de uma decisão cautelar que a administração se recuse atender?

Nesta intervenção foram deixadas algumas interrogações que deverão ser objecto de análise com o decurso da prática dos tribunais, nomeadamente:
- Será que os processos cautelares foram definidos com uma excessiva liberalidade, podendo dizer-se que o regime de decretamento de providência cautelar tem uma excessiva facilidade?
- Estarão suficientemente determinados os limites da tutela cautelar, atendendo à sua natureza instrumental, provisória e sumária?
- Deverão ser clarificadas legislativamente as modalidades de articulação entre providências cautelares e os restantes processos urgentes, designadamente impugnações e intimações, bem como as modalidades de interligação entre os processos cautelares e os processos céleres, de cognição sumária?

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