terça-feira, 6 de novembro de 2007

MODELOS DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA: um olhar sobre a tutela cautelar dos sistemas Anglo-saxónicos

Modelo Alemão:
Importa começar por precisar que o sistema alemão de contencioso administrativo se caracteriza pela lentidão na realização da justiça e pelo congestionamento dos tribunais, estando algumas das reformas relacionadas com a tentativa de aliviar os tribunais administrativos e acelerar o processo. O sistema alemão do vorläufigen Rechtsschutz funciona em dois segmentos ou numa dupla via.
Numa das vias está consagrado o efeito suspensivo automático dos mecanismos de impugnação do acto administrativo (aufschiebende Wirkung, §§ 80.º e 80a VwGO, relativo ao efeito suspensivo de actos administrativos de duplo efeito).
A outra via, pela qual se permite a emissão de uma ordem provisória (einstweilige Anordnung), está prevista no § 123.º 1 (1ª e 2ª parte) VwGO.
Estes segmentos da tutela cautelar pretendem proporcionar um modelo jurisdicional cautelar sem lacunas, uma garantia cautelar cujo epicentro se situa no art.19.º IV GG, nos termos do qual é garantida a tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares perante a actuação dos poderes públicos.
A tutela provisória prevista no §123.º 1 VwGO, que pode ser solicitada, em regra, quando o meio processual principal accionado não é um dos meios impugnatórios de actos administrativos, engloba dois tipos de tutela provisória distintos, atendendo ao seu conteúdo, efeito e limites.
Estes dois tipos de tutela provisória correspondem a duas modalidades de ordens provisórias que o juiz pode decretar, e cujo conteúdo pode determinar, tendo em consideração o efeito que pretende provocar no status quo sob que incide a causa principal, conforme o previsto no §123.º 1, 1ª e 2ª parte, e de acordo com os normativos da lei processual civil, §§ 920 a 945 ZPO, para o qual o primeiro remete.
A ordem asseguradora (Sicherungsanordnung) é ordenada para satisfazer a necessidade de conservar um determinado status quo.
A ordem reguladora (Regelungsanordnung) é emitida quando o particular já não pretende apenas guardar um determinado estado de direito ou de facto, mas quando deseja que o juiz cautelar modifique e inove o status quo ante, pois só dessa forma a sentença de mérito será útil no futuro.
Legalmente, nos termos do § 123 VwGO, as condições de procedência da ordem provisória, são duas: a existência de uma pretensão jurídico subjectiva, ou, por outras palavras, a existência de um direito subjectivo que sustente a pretensão principal e que é objecto do processo principal, por um lado; por outro lado, a existência de uma necessidade de protecção cautelar urgente que será diferente conforme se esteja perante um pedido de ordem asseguradora ou ordem reguladora.

Modelo consagrado no Reino Unido:
No Reino Unido, a actividade das Autoridades Administrativas não está isenta de controlo de natureza não judicial em certos casos, e judicial, em outros.
De entre os mecanismos de natureza jurisdicional, os que se exercitam nos Tribunais Comuns, contam-se os processos conduzidos contra a Coroa (os Crown Proceedings) e o processo (tipo Proceeding on the King's/Queen's site) que tem como objecto o controlo da legalidade da actuação administrativa e em que a Coroa, em solicitação de outrem (the applicant), é parte (o processo de Judicial Review).
De referir que a Coroa, de acordo com um princípio de interesse público, é considerada imune à responsabilização pelos danos que os seus actos causem aos seus súbditos (public interest immunity).
A integração do Reino Unido na Comunidade Europeia introduziu uma série de mudanças ao nível do sistema de Administrative Law, sendo que desta integração resultou a influência do sistema de Direito Comunitário no Direito interno daquele Estado. Em consequência, a doutrina tem vindo a denunciar o estado de esquizofrenia em que caiu o sistema judicial inglês, já que os tribunais têm vindo a tutelar os seus particulares com dois pesos e duas medidas. Quando os tribunais aplicam Direito Comunitário são obrigados a afastar a tradição, por imposição da orientação do TJCE, e a ordenar injunctions (definitivas e provisórias) contra a Coroa e contra os Ministros que em seu nome actuam. Porém, quando os tribunais aplicam o direito do Reino para tutelar os seus nacionais, ficam na dúvida se a tradição deve ser cumprida.
No sistema britânico, a tutela provisória ou interina é proporcionada pela injunctive relief (ou interlocutory injunction) e pelo mecanismo de stay of proceedings.
As interim ou interlocutory injunctions, são decisões tomadas na pendência de um processo principal, sem que o tribunal conheça dos fundamentos das partes por via de prova stricto sensu, ou seja, sem escutar as partes ou sem valorar detalhadamente as provas trazidas ao processo.
A interlocutory injunction é caracterizada pela provisoriedade, instrumentalidade e sumariedade.
Quanto ao tipo de medidas, as injunctions podem ter um conteúdo negativo (prohibitions relief), ou conteúdo positivo (mandatory relief).
Relativamente às condições de procedência da injunctive relief, os tribunais ajuízam da sua existência através de um test que é um método sumário assente num balanço de conveniência da ordem (balance of convenience).
O mecanismo de stay of proceedings permite, enquanto procedimento cautelar, ordenar a suspensão de uma decisão da Administração e pode ser dirigido contra a Coroa.


Mafalda Silva



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