quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
SENTENÇA


Processo n.º: 1589/07.3
Data do Acórdão: 18-12-2007
Tribunal: 2.ª Secção do CA do TAC de Lisboa

Objecto do Processo: Foi solicitada a adopção de providência cautelar com vista à suspensão da eficácia do acto que licenciou a construção do Centro Comercial “Acima de Nós só a Ponte sobre o Tejo” e das obras entretanto iniciadas. Na sequência da mesma foi instaurada a acção de anulação do mesmo acto administrativo e pedida a respectiva condenação da administração na reposição da situação preexistente, por se entender que foram violadas as disposições do Plano Director Municipal, e que por sua vez também os direitos fundamentais ao ambiente e à qualidade de vida.

Autor: António de Lisboa
Réus: Município de Lisboa e empresa “Vistas Largas, Lda.”

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa:

RELATÓRIO:

António de Lisboa, melhor identificado nos autos, veio requerer a providência cautelar com vista à suspensão da eficácia do acto que licenciou a construção do Centro Comercial “Acima de Nós só a Ponte sobre o Tejo” e das obras entretanto iniciadas e, na sequência desta, intentou a presente acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo de licença de construção, cumulada com um pedido de condenação da administração na reconstituição da situação anteriormente existente (nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 46.º conjugado com n.º 1 do art. 51.º do CPTA).

Alegou sucintamente o autor que é legítimo possuidor e proprietário da fracção autónoma sita na Rua Amadeu Sousa Cardoso, n.º 6, Freguesia de Alcântara, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1000.º B, correspondente ao 4.º andar, fracção essa que se situa a 40 metros do Jardim Central de Alcântara, onde se pretende construir o Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo”.

O Autor e demais vizinhança afluíram durante décadas e até ao passado dia 30 de Novembro de 2007, ao Jardim Central de Alcântara, onde afirmam existir abundante fauna e vegetação e onde se terão realizado inúmeros eventos desportivos e culturais.

A flora e fauna que proliferam no jardim encontram-se inclusivamente estudadas e documentadas em diversas obras de carácter científico, como por exemplo, in opus “Botânica de Portugal”, Vol. 11, a págs. 349 e ss., Editora Lisbonense, 1987.

A vista da fracção autónoma propriedade do Autor e a dos demais habitantes do Vale de Alcântara tem uma grande amplitude, que lhes permite, em dias de céu limpo, vislumbrar a cidade do Montijo.

Defende o autor que, com a construção do referido Centro Comercial, a vista panorâmica ficará seriamente prejudicada.

De igual modo serão prejudicados os miradouros localizados nas freguesias adjacentes à Ponte 25 de Abril, nomeadamente Alcântara, Prazeres e Santos-o-Velho, que são referenciados em mapas e guias turísticos da cidade de Lisboa.

Acresce, ainda, a desvalorização que os prédios urbanos de toda a zona envolvente irão sofrer, motivada por uma acentuada diminuição da exposição solar e da privacidade.

Afirma que foi afixado, no passado dia 25 de Outubro, no local em referência, o Alvará de Licença que autorizava a construção, pela co-interessada e demandada Vistas Largas, Lda., do empreendimento urbanístico Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo”, sendo que, com essa construção, será destruído o passado, o presente e o futuro sadio e ecologicamente equilibrado dos seus filhos e netos, amputando à cidade de Lisboa um pulmão verde, palco de inúmeras provas desportivas.

O Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo” será composto por 7 (sete) andares, perfazendo o total de 40 metros de construção em altura.

A área bruta de construção é a equivalente a 320 000 metros quadrados, com 500 lugares de estacionamento subterrâneo, 500 lojas distribuídas por 5 pisos e 100 fracções autónomas, as quais terão como destino o arrendamento comercial.

Os trabalhos de construção tiveram início no passado dia 30 de Novembro, com a instalação no local do estaleiro de obras.

Após a construção do estaleiro de obras teve início a remoção do material inerte, bem como o abate de dois plátanos, três sobreiros e uma vasta zona de erva selvagem da floresta tropical da Patagónia.

Considera o autor que a construção em causa foi ilegalmente licenciada não podendo ser, em caso algum, justificativa do interesse público que o Município supostamente pretende prosseguir, verificando-se, ao contrário, um prejuízo de extrema gravidade e potencialmente prolongado no tempo, devassando a qualidade de vida do A.
***

Contestaram os réus, alegando que o Centro Comercial em causa tem 40 metros de altura, devido ao uso de infra-estrutura que permite a utilização de energias renováveis e que o PDM actualmente em vigor determina que a área em que o Centro Comercial vai ser construído é um solo apto para construção, já que irá possuir todas as características adequadas à construção desse mesmo edifício (artigo 25º, nº1 a) e nº2 c) do Código de Expropriações).

O Jardim Central de Alcântara, sob o qual se irá construir o Centro Comercial, não é uma área protegida (artigo 2º do D.L. n.º 19/93).

Consideram que o acto de licenciamento não é manifestamente ilegal, por não violar o PDM em vigor, invocando a moderna doutrina jurídica urbanística, que defende que, para um projecto urbanístico estar de acordo com um PDM, e por isso não o viole, não é necessário que aquele reproduza rigorosamente o que está previsto neste. O projecto urbanístico tem que ter em conta as circunstâncias do momento, não sendo um acto de mera execução do que está constante no PDM.

Será construído também um campo desportivo com vista a acolher o "Campeonato Mundial de Patins em Linha", evento que trará benefícios vários para Portugal.

O Centro Comercial foi projectado por John Smith III, arquitecto reconhecido internacionalmente, o que levará a uma maior projecção de Portugal por todo o Mundo, sendo que funcionará a nível de energias renováveis, o que contribuirá para o ambiente, economia e qualidade de vida, contribuindo também para a requalificação urbanística da zona, já que o Jardim de Alcântara estava completamente degradado, tendo-se considerado prioritário restaurar a área em causa.

***

Referiu o douto Magistrado do Ministério Público o seguinte:
(…)
I. DOS FACTOS:

Dos autos resultam provados os seguintes factos:

1) António de Lisboa (adiante autor) é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma sita na Rua Amadeu Sousa Cardoso, n.º 6, Freguesia de Alcântara, em Lisboa, pertencente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1000.º B, correspondente ao 4.º andar.

2) Em 12 de Setembro de 2007 foi licenciada a obra de construção do Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte sobre o Tejo”.

3) Obra essa da autoria do arquitecto britânico John Smith III.

4) A construção foi entregue à empresa “Vistas Largas, Lda.”, da qual é sócio gerente António Vistas Largas.

5) Consta dos estatutos da referida sociedade a legitimidade de António Vistas Largas para a representar em juízo.

6) O Centro Comercial em causa situar-se-á no Vale de Alcântara, no cruzamento da Rua Amadeu Sousa Cardoso com a Rua José de Magalhães.

7) Será edificado sobre o actual Jardim Central de Alcântara.

8) A construção projectada é constituída por 7 (sete) andares que perfaz a altura de 40 metros acima do solo.

9) A área bruta de construção é a equivalente a 320 000 metros quadrados, com 500 lugares de estacionamento subterrâneo, 500 lojas distribuídas por 5 pisos e 100 fracções autónomas, as quais terão como destino o arrendamento comercial.

10) O PDM actualmente em vigor fixa um limite máximo de 25 metros de altura dos edifícios.

11) A construção de um equipamento desportivo junto ao Centro Comercial.

12) O Jardim em causa foi criado em 1972, que possui desde essa data vegetação exótica, a qual é referenciada em variados Manuais de Botânica e Biologia, e sendo durante anos alvo de visita por biólogos.

13) A 25 de Outubro do ano corrente foi afixado, junto ao Jardim, Alvará de Licença a autorizar a construção pela Ré Vistas Largas, Lda do empreendimento urbanístico Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo”.

14) Os trabalhos de construção tiveram início no passado dia 30 de Novembro, com a instalação no local do estaleiro de obras.

15) Após a construção do estaleiro de obras teve início a remoção do material inerte, bem como o abate de diversa vegetação existente no Jardim.

***

Entende o Tribunal que os factos seguintes integram a base instrutória:

1) Estado actual de conservação do jardim central.

2) Existência da fauna e flora no Jardim Central;

3) Aproveitamento da vegetação do jardim central após as obras.

4) A referida fracção situa-se a 40 metros do Jardim Central de Alcântara.

5) Os prédios existentes no Vale de Alcântara têm, no máximo, quatro andares.

6) As consequências, em termos de luminosidade, visibilidade, privacidade e segurança para os habitantes dos imóveis contíguos ao actual jardim, com a construção do empreendimento.

7) A necessidade, em termos de Mercado, da construção de um Centro Comercial naquele local.

8) A previsão no projecto licenciado da criação de espaços verdes na zona adjacente ao empreendimento.

9) A existência de jardim próximos do Vale de Alcântara.

10) A impossibilidade de o Campeonato Mundial de Patins em Linha se vir a realizar noutro equipamento desportivo que não o que consta do projecto.

11) Existência de pavilhões alternativos, com características necessárias, para a realização do referido campeonato.

12) A necessidade, em termos populacionais e recreativos, da construção de tal equipamento desportivo.

13) Se os habitantes dos prédios contíguos ao empreendimento assinaram ou não documento a renunciar ao direito de o impugnar em juízo.

***

Para auxiliar à formação da convicção deste Tribunal, apresentou o Autor as seguintes testemunhas: Filipa Santos, Maria de Lurdes Almeida, Manuel Bernardes e John Smith II. Por sua vez, o Réu juntou como prova documental declaração do Autor a renunciar ao direito de impugnação do acto, fotografias do local, Parecer do Ministério da Economia e da Inovação, Parecer do Ministério da Cultura, Parecer da Direcção Geral das Florestas, Parecer da Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental e a título de prova testemunhal, Margarida Flor de Oliveira, John Smith III e Maria Josefina Azevedo.

Tendo em conta a prova testemunhal produzida em audiência, o Tribunal levou em consideração, na formação da sua convicção, os seguintes depoimentos:

Quanto ao depoimento da testemunha Filipa Santos, comadre do Autor, que referiu que o prédio mais alto junto ao jardim é constituído por 4 andares, com altura aproximada de 25 metros e que existe uma variedade de comércio suficiente para satisfazer as necessidades da população. Sublinhou ainda que o jardim é o único espaço verde da freguesia e que é motivo de muita afluência pela diversidade de fauna e flora lá existente.

Relativamente à testemunha Maria de Lurdes Almeida, engenheira civil que integrou a equipa responsável pelos trabalhos preparatórios do projecto de construção, que mencionou que o terreno não reunia as condições necessárias para que nele fosse implantado uma obra com aquela envergadura em virtude das suas características arenosas e das infra-estruturas dos prédios envolventes. Motivo que levou ao seu afastamento da equipa.

No que diz respeito ao testemunho de Manuel Bernardes, que desempenhou as funções de arquitecto paisagista no referido projecto e que abandonou antes da sua apresentação, disse que a arquitectura do projecto não se enquadra na zona envolvente e que iria prejudicar a iluminação solar dos prédios circundantes. No seu entendimento, a zona deveria ser preservada ou, em alternativa, ser construída uma obra de dimensão mais pequena.

Por fim, foi ouvido o depoimento da testemunha John Smith II, presidente do Conselho de Administração da Johnson’s & Johnson’s Portugal, que considerava que o jardim é um elemento de importância crucial para a cidade pela sua localização, pelas espécies de fauna e flora que atraem muitos turistas ao local e que a sua eliminação descaracterizaria a zona.
O depoimento da testemunha Margarida Folha de Oliveira, actual Presidente da Câmara de Lisboa, foi recusado nos termos do art. 617.º do CPC.

Em seguida testemunhou John Smith III, arquitecto responsável pela obra impugnada na presente acção, que garantiu que o projecto abrange a construção de variados espaços verdes, para além de assegurar que o jardim actualmente existente estava totalmente degradado, daí a construção do edifício na referida zona. Referiu que o edifício a construir foi planeado com altura de 40 metros, mas que tem conhecimento que o PDM apenas autoriza a altura máxima de 25 metros.

De seguida, foi ouvida a testemunha Maria Josefina Azevedo, desempregada, residente no prédio do autor, que referiu que o jardim tem um aspecto muito degradante e que actualmente é frequentado por pessoas indesejadas, o que cria a imagem de insegurança.

A prova testemunhal está sujeita a livre apreciação do Tribunal.

Em relação ao documento apresentado e alegadamente subscrito pelo Autor e que foi objecto de impugnação pelo mesmo, o tribunal entendeu que o documento particular não deve relevar como meio de prova, uma vez que a parte contra quem o documento foi apresentado impugnou a veracidade da assinatura (conforme artigo 374.º do CPC).

Em relação aos doutos pareceres juntos aos Autos, os mesmos estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal.

Faz força probatória plena quanto aos factos nela atestados a representação fotográfica, considerada documento pelo art. 368.º do Código Civil, uma vez que a sua exactidão não foi impugnada pelo autor.


II. DO DIREITO:

I.
Da procedência da providência cautelar


Como preliminar da acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, o Autor deduziu providência cautelar visando a suspensão de eficácia da licença de construção do Centro Comercial “Acima de Nós só a Ponte sobre o Tejo” e das obras entretanto iniciadas.

As providências cautelares estão umbilicalmente ligadas ao respectivo processo principal, proposto ou a propor, cuja utilidade final visam assegurar e de cuja interposição e probabilidade de êxito dependem a sua vigência e procedência, conforme artigos 112.º a 114.º e 123.º do CPTA.

Cabe ao julgador cautelar o poder e o dever de avaliar, ainda que em termos sumários, como próprio da natureza urgente do processo, a pretensão deduzida pelo requerente da mesma, ponderando para o efeito os requisitos exigidos por lei para a sua procedência (artigo 120.º do CPTA).

O artigo 120.º do CPTA, como se depreende da respectiva epígrafe, pretende estabelecer os critérios de decisão relativos às providências cautelares.

Se, por um lado, a alínea a) do n.º 1 do citado artigo contem uma norma derrogatória, para situações excepcionais, em que se afigure evidente para o Tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente, no processo principal, irá ser julgada procedente, as alíneas b) e c) do n.º 1 do mencionado artigo definem os critérios gerais de que depende a concessão de providências cautelares.

Segundo o entendimento do Dr. Mário Aroso de Almeida, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007, pág. 702 e ss.: “a concessão da providência depende do preenchimento de dois requisitos positivos:
1) A existência de indícios de que uma intervenção cautelar é necessária para impedir a consumação de situações lesivas que, de outro modo, resultariam da mora do processo e,
2) A perspectiva de êxito que o requerente tem no processo principal,
(n.º 1, alíneas b) ou c)), ao que acresce um requisito negativo, reportado a um facto impeditivo: a emergência, na ponderação dos vários interesses em presença, de interesses contrapostos aos do requerente, que sejam mais dignos de tutela do que aqueles que a providência cautelar pretende salvaguardar (n.º 2 do artigo 120.º do CPTA)”.
O primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no n.º 1, alíneas b) e c), depende a atribuição das providências cautelares traduz-se no periculum in mora, requisito invocado pelo Autor.

Trata-se do fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio. Tal pode acontecer quer porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, ou então em virtude dessa evolução conduzir à produção de danos dificilmente reparáveis.

Tendo em conta a presente acção, estende este tribunal estar preenchido este requisito. De facto, considerando os factos alegados pelo Autor (e dados como provados por este Tribunal) e que as obras do Centro Comercial “Acima de Nós só a Ponte sobre o Tejo” já se iniciaram, existe o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, bem como o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, no caso de a providência ser recusada (pode haver prejuízos que, com a construção do Centro Comercial supra referido se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente).

Já a alínea b), do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA consagra o requisito não cumulativo do fumus boni iuris, ou da aparência de bom direito, também invocado pelo Autor do artigo em questão). Assim, não é necessário um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.

Entende este Tribunal que o requisito invocado também se encontra preenchido. De facto, tendo em conta a cognição sumária das circunstâncias de facto e o consequente juízo subsuntivo na lei aplicável ao caso concreto, mostra-se não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do Autor no processo principal ou a existência de causa obstativa do conhecimento do mérito.

A concessão da providência não depende exclusivamente da formulação de um juízo de valor absoluto sobre a situação do requerente, como sucederia se apenas se atendesse aos critérios do periculum in mora e do fumus boni iuris, mas da verificação de um requisito negativo: a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados. O n.º 2 do artigo 120.º introduz um critério de ponderação de interesses, por força do qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente da formulação de um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos (neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 28/6/2007, in www.dgsi.pt).

Tendo em conta o alegado pelas Partes, não pode este Tribunal deixar de concordar com os Réus, no que diz respeito às consequências que o decretamento da presente providência cautelar iria causar: as obras já se encontram em curso, implicam um avultado investimento financeiro e o decretamento da providência cautelar teria como consequência imediata, entre outras, a impossibilidade de realização do “Campeonato Mundial de Patins em Linha”, evento internacional e totalmente organizado.

Em muitos casos torna-se necessário a antecipação do juízo sobre o mérito da causa em virtude de, no caso concreto, não se preencherem os requisitos de que, nos termos do artigo 120.º do CPTA, depende a concessão da tutela cautelar. Tal verifica-se quando seja de entender que, embora se preencham os requisitos das alíneas b) ou c) do n.º 1 do mencionado artigo, a ponderação dos interesses envolvidos conduz, à luz do artigo 120.º, n.º 2, à conclusão de que a tutela cautelar teria custos desproporcionados. Como tal, faz sentido que o Tribunal procure outras soluções.

Assim, apesar da relativa autonomia do processo cautelar em relação ao processo principal, o artigo 121.º do CPTA permite que o Tribunal antecipe a decisão sobre o mérito da causa principal para o momento em que lhe cumpre decidir o processo cautelar.

Esta solução legal, inspirada no princípio da tutela jurisdicional efectiva e em razões de economia processual, vem permitir que o juiz cautelar, ouvidas as partes, se declare, de forma fundamentada, apto a antecipar no processo cautelar o juízo sobre o mérito da causa principal. Trata-se de uma decisão prévia, pela qual o julgador resolve convolar a decisão do processo cautelar na decisão do processo principal, convolação essa que será seguida do julgamento da causa principal (conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 26/07/2007, in www.dgsi.pt).

A antecipação da decisão sobre o mérito da causa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos:
1) Deve haver “manifesta urgência na resolução definitiva do caso”, com o que “não se compadece” a mera adopção de uma providência cautelar;
2) É necessário que, ouvidas as partes e, como tal, uma vez consideradas as eventuais objecções por elas formuladas, o Tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito”.

Este expediente só encontrará justificação em situações de urgência qualificada, nas quais se revele insuficiente o decretamento de uma providência cautelar, como acontece no presente processo, designadamente por os limites resultantes da sua natureza provisória obstarem à concessão de uma providência apta a evitar uma situação irreversível.

Assim, considerando a natureza e a gravidade dos interesses envolvidos das Partes, considerando que é exactamente o mesmo o vício imputado ao acto impugnado em sede de processo cautelar e no processo principal, considerando o seu carácter urgente e considerando que o processo contem todos os elementos para decidir de fundo, decidiu este Tribunal antecipar a decisão do processo principal, por entender que estavam reunidos todos os pressupostos exigidos pelo artigo 121.º do CPTA.

Ouvidas as Partes, conforme o disposto no artigo 121.º, n.º 2 do CPTA, não formularam estas qualquer oposição à pretensão deste Tribunal, tendo renunciado ao prazo previsto para o efeito.


II.
Do mérito da causa


O Autor tem legitimidade para propor a presente acção de anulação do acto administrativo (art. 55.º CPTA) cumulada com o pedido de condenação da Administração na reconstituição da situação anterior (art. 68.º do mesmo código), na medida em que na norma do PDM que limita a altura das construções estão vertidas regras do bom ordenamento do território protegendo-se, de igual modo, direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como o direito ao ambiente e à qualidade de vida (art. 66.º CRP) dos moradores da zona em causa.

Desta forma o autor, enquanto residente na rua em frente ao terreno onde se construirá o empreendimento, é titular de um interesse pessoal e directo na declaração de nulidade da licença violadora desta norma, nos termos do art. 55º n.º 1 CPTA, sob pena de lesão dos seus direitos fundamentais já identificados.

A procedência da acção de declaração de nulidade do acto traduzir-se-á numa vantagem ou num benefício específico imediato para a esfera jurídica do autor.

O acto de licenciamento é impugnável, porque susceptível de lesar direitos que são protegidos em sede legal e constitucional (51º n.º 1 CPTA).

A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no art. 4.º n.º 2 a) do CPTA, seguindo-se, na presente acção, a forma prevista para a acção administrativa especial (art. 5.º n.º1).

Importa, agora, averiguar do mérito da causa, em termos de facto e de direito.

O que define as possibilidades construtivas de uma determinada parcela é o que se estabelece no PDM para a mesma.

Nos termos do art. 4.º do Decreto Lei n.º 83/95, de 26/04, a decisão sobre a localização e a realização de obras referente a processos de instalação de grandes superfícies comerciais com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e de vida em geral das populações deve ser precedida, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por essa decisão.
As obras para instalação de grandes superfícies comerciais abrangem (…) as alterações de tipo de actividade e ramo de comércio exercido em área de vendas contínua superior a 2.000 m2.
O art. 73º do RJEU, no que respeita à “edificação em conjunto”, considera a regra geral do art. 58º do mesmo diploma, procurando acautelar, através da exigência dos afastamentos mínimos nele previstos, a existência de eventuais “obstáculos à iluminação”, ou proteger a “salubridade dos edifícios”, garantindo níveis mínimos de arejamento, iluminação natural e exposição solar.

Quanto a distância entre os prédios, o mesmo diploma, prevê que não pode ser inferior à altura dos prédios a construir (40m), contudo, nos termos do art. 64° quando se trate de edificações cuja natureza, destino, ou carácter arquitectónico, requerem disposições especiais apenas se tem que cumprir a distância mínima de 10 m, desde que fiquem asseguradas as condições mínimas de salubridade exigíveis.

No caso em apreço, é manifesta a desconformidade da obra a licenciada com as construções cérceas dominantes, uma vez que se projectou um edifício com seis pisos acima do solo e a cércea dominante não excede os 4 pisos acima do solo., acarretando desta forma um prejuízo estético para da zona, mostrando-se a sua inserção totalmente desadequada para além de afectar a beleza da paisagem natural.

Pelos motivos expostos, há fundamento de indeferimento do licenciamento, nos termos da al. d) do n.º1 do art. 63º do DL 445/91.

Assim, temos que quando em 3 de Agosto de 2007 Vistas Largas, Lda. requereu à Câmara Municipal de Lisboa o licenciamento de construção do Centro Comercial, já estava em vigor o P.D.M. do Município respectivo, que foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 94/94, tendo sido publicado o respectivo regulamento no D.R. IIª Série N° 226, de 29 de Setembro de 1994.

E quanto ao poder discricionário das câmaras municipais em matéria de licenciamento, é indiscutivelmente falso que neste caso elas tenham um poder discricionário de ajustamento da realidade ao interesse público. Se assim fosse é evidente que nunca uma lei geral e abstracta poderia sancionar com a nulidade actos desconformes com as suas previsões.

Face ao supra exposto, o Demandado Município de Lisboa violou, grosseira e gravemente, os mais elementares preceitos Constitucionais, designadamente os art. 65º, o n° 2, art. 66.° e ainda o art. 266.º da Constituição da República Portuguesa e bem como as regras atinentes ao direito administrativo, em especial, os do direito do urbanismo e do ordenamento do território, sobretudo as disposições relativas ao licenciamento de obras contidas no Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, às quais acrescem as regras constantes do Plano Director Municipal.

Resulta ainda do supra citado diploma, mormente do seu art. 24.° n.º 1 a), n.º 2 a) e n.° 4 o dever de indeferimento do licenciamento nos casos em que haja violação do PDM, revelando a entidade demandada um claro desleixo em relação às suas obrigações em prosseguir a legalidade e o interesse público, como aliás resulta de diversas disposições constitucionais (art. 266.° CRP).

Com actuações semelhantes a esta, põem-se em causa as funcionalidades dos Planos Municipais de Ordenamento do Território.

Planos esses que vinculam quer entidades privadas quer públicas, como se vislumbra pela análise do art. 11.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto e do n.º 2 do art. 3.º do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro.

A conduta anteriormente descrita é totalmente censurável na medida em que o Município não se pode eximir ao cumprimento das regras administrativas de licenciamento previstas no ordenamento jurídico.

Nesse sentido, já decidiu o STA em Acórdão de 22 de Maio de 2001, recurso n.º 44760, que são nulos os actos administrativos que violem instrumento de planeamento territorial.

Ora, o acto que autoriza a construção do Centro Comercial é, desta forma, de per si nulo, uma vez que não se encontra permitida a construção no referido local.

Nesse sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/04/2003, in www.dgsi.pt, nos termos do qual: “São nulos os actos de licenciamento que violem o disposto em Plano Municipal de Ordenamento do Território em vigor (art. 52.º, n°2 alínea b), do D.L. 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção introduzida pelo D.L. n°250/94, de 15 de Outubro).

A regulamentação específica do P.D.M. da cidade de Lisboa, impõe no seu art. 55.º n.º 1 alínea e), a altura máxima de construção de 25 metros (vinte e cinco metros) para Áreas Consolidadas de Utilização Colectiva Habitacional.

A zona denominada Vale de Alcântara não só está integrada no âmbito do Sistema de Vistas como refere o art. 23.° n.º 1 Alínea c) PDM, como está classificada como um espaço público ribeirinho como consta do art. 24.° do PDM.

Por isso, o avolumar de dificuldades de criação de corredores pedonais de acesso à margem do rio e a fruição da paisagem ribeirinha, contraria frontalmente o disposto nas disposições anteriormente mencionadas.

A construção, a ter lugar, violará ainda os direitos à qualidade ambiental da povoação e da vida urbana, designadamente, no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas, não só do A. como de todos os moradores do vale de Alcântara.

Neste sentido, o acto administrativo que licenciou a construção do centro comercial acarreta necessariamente a nulidade da respectiva licença, como se pode constatar da conjugação dos art. 68.° a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro e do art. 103.° Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, a qual deverá ser declarada nula e, em consequência, deverão as obras ser imediatamente suspensas nos termos do art. 103.º ex vi do n.º2 do art. 69.º.

Por tudo o exposto, e em conclusão, julga-se procedente a presente acção e, em consequência, declara-se nulo o acto do vereador da Câmara Municipal de Lisboa com competência delegada para o licenciamento de obras particulares, que em 12 de Setembro deste ano aprovou o licenciamento requerido pela contra-interessada Vistas Largas, Lda. do Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo”, por violação das referidas disposições do PDM de Lisboa e do RJEU, condenando-se os réus na reposição da situação previamente existente.

Custas pelos réus.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2007

Os Juízes.

Catarina Fernandes
Cláudia Sobral
Mafalda Silva

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